sexta-feira, 14 de maio de 2010

Sismologia: Artigos do Prof. Alberto Veloso

Alberto Veloso é geólogo e criador do Observatório Sismológico da UnB. Trabalhou na Organização das Nações Unidas, em Viena (Áustria), na montagem de uma rede mundial de detecção de explosões nucleares.


Homens e terremotos

Em um pequeno intervalo de tempo, tremores abalaram o Haiti, o Japão, o Chile e a Turquia. Alguma surpresa nisto? O Haiti integra um cinturão de ilhas caribenhas com um longo histórico de terremotos e tsunamis. O Japão e o Chile estão no topo dos países mais sísmicos e, neste último, foi registrado o maior terremoto conhecido. A Turquia está em uma zona altamente sísmica e sofre constantes e fortes terremotos - sismólogos turcos admitem que Istambul poderá sofrer um sismo desastroso, em qualquer momento nas próximas décadas. O impressionante nesse quadro são os vultosos danos materiais e o elevado número de vítimas fatais. No Haiti, foram cerca de 220 mil.
Há fatos parecidos, se voltarmos ao passado. Em 7 de junho de 1755, um tremor na região de Kashan, no Irã, ceifou 40 mil vidas. Passados cinco meses, no dia de Todos os Santos, 1º de novembro, Lisboa, a quarta metrópole da Europa, foi semidestruída por uma tríplice desventura: terremoto, tsunami e incêndio. Estimativas conservadoras contabilizam 60 mil mortes. Dezessete dias depois, Boston sofreu seu maior abalo que fez cair mais de 1.600 chaminés, em pleno inverno americano. A soma de vítimas fatais nesses desastres girou em torno de 100 mil.
A força primária que gera os principais terremotos vem do interior da Terra e nada indica mudanças significativas no padrão deste fenômeno. Os terremotos vão e voltam e, ainda com algumas flutuações, admite-se que o número de sismos com magnitude ≥ 7, no último século, manteve-se praticamente constante. Entretanto, passou-se a registrar um maior número tremores de magnitudes menores porque melhorou a eficiência do monitoramento sismográfico mundial. Ademais, os meios de comunicação são mais eficientes e se tem notícias do que acontece em qualquer lugar, a todo instante. Tudo isso leva à falsa impressão de que os terremotos passaram a ser mais frequentes.
Mas se o número de sismos não está crescendo, por que aumenta a quantidade dos que se transformam em grandes desastres? Simplesmente porque se avoluma, de forma quase incontrolável, a densidade populacional de muitas áreas de risco; isto implica viver com pouca ou nenhuma proteção. Cidades mais próximas dos limites das placas tectônicas, ou com históricos de grandes sismos, são as que estão sob maior perigo. Mas aí existe uma divisão perversa separando as que têm poder, daquelas sem condições de prevenir-se contra os impactos dos sismos que, cedo ou tarde, aparecerão.
Nações com suficientes recursos econômicos e conhecimentos científicos investem pesado para proteger suas cidades: reforçam construções vulneráveis, controlam a ocupação do solo, aprimoram códigos civis para projetar e construir edifícios mais resistentes, além de educar e treinar pessoas para evitar acidentes em suas casas e no trabalho. Dependendo do terremoto, nem assim escapam de altos prejuízos, mas normalmente as fatalidades não são grandes. Nos países menos favorecidos, as destruições são massivas e o número de vítimas é enorme. No tremor de magnitude 6.9 de 1989, em Loma Prieta, cerca de 100 km ao sul de São Francisco, morreram 60 pessoas; no da Nicarágua, de 1972, com magnitude 6.3, foram 5.000 pessoas. No primeiro caso, os prejuízos somaram 0,2% do PIB do Estado da Califórnia, no segundo foram 40% do PIB de toda a Nicarágua.
O quadro é preocupante porque as projeções da ONU para os próximos 20 anos mostram que o crescimento urbano se dará principalmente nas nações em desenvolvimento; 60% da população mundial, ou 5 bilhões de pessoas estarão vivendo nas cidades. É justamente nos países menos favorecidos que as urbes tendem a crescer desordenada e aceleradamente, tornando-se vulneráveis a todo tipo de perigo. O que já era ruim fica pior; construções frágeis não são reforçadas e outras mais débeis são erguidas em áreas de terrenos mais críticos. Essa realidade é um problema do presente que tende a agravar-se no futuro.
É mais inteligente prevenir do que reconstruir. Afinal, o prejuízo tem sido de todos: do indivíduo afetado, da comunidade convulsionada, do governo com recursos escassos e também dos outros países que sempre saem para socorrer os mais carentes.
O “braço da Mãe Natureza” que cuida dos terremotos continua exercendo seu papel como antes. O homem é que demonstra dificuldades em adaptar-se a um mundo cada vez mais populoso e com armadilhas que ele próprio criou.

Atração fatal: o terremoto no Haiti e a prevenção de tragédias

O catastrófico terremoto que atingiu o Haiti na última terça-feira misturou ingredientes da natureza e do homem: magnitude elevada, profundidade focal rasa e epicentro próximo de áreas densamente povoadas – com construções frágeis e inadequadas para suportar altas acelerações do terreno. O resultado não poderia ser diferente: destruição em massa, elevado número de mortos e feridos e uma multidão incalculável de desabrigados. Os próximos dias continuarão difíceis, pois novos terremotos – réplicas – podem acontecer e ampliar a tragédia.
Entretanto, com ajuda especializada, ainda se podem salvar vidas. Inicialmente o país receberá ajuda internacional para minorar seus problemas e para colocar um mínimo de ordem nas coisas. Depois virá a lenta e trabalhosa fase de reconstrução, que se espera seja feita sob a supervisão de organismos internacionais para garantir a adequada aplicação dos recursos financeiros em obras que tragam maior segurança aos haitianos. Este é o desenrolar do script para situações semelhantes que acontecem ao redor do mundo. Mas sempre fica a pergunta: com os conhecimentos e recursos de hoje não seria possível minimizar os efeitos deste e de outros grandes desastres?
A humanidade recebe do planeta que habita um sem número de dádivas; desde o ar que respira aos variados tipos de recursos naturais que explora. Para que isso exista, o Planeta Terra tem que trabalhar continuamente. Às vezes de forma longa e imperceptível, para criar um valioso campo petrolífero; ou de maneira brusca, extravasando material vulcânico na superfície do terreno que acaba se transformando em terras férteis, como as existentes em São Paulo, Paraná e Mato Grosso. A natureza tem seus caprichos. Hoje ela gera uma inundação aqui, um terremoto ali, uma erupção vulcânica, ou um tufão acolá. Assim foi e sempre será. Não deixar um fenômeno natural virar tragédia é competência do homem e nisso já se fala há muito tempo.
Em 1º de novembro de 1755, Lisboa quase desapareceu quando se viu atacada por um tríplice infortúnio. Um forte terremoto destruiu parte da cidade, gerou um tsunami assassino e, como se não bastasse, um incêndio consumiu muito do que ainda continuava de pé. Lisboa se reergueu, mas o desastre surpreendeu a Europa povoada de crenças de que se vivia no melhor dos mundos. Houve até embates filosóficos e deles tiramos um pensamento de Jean-Jacques Rousseau: não foi a natureza que concentrou a população e construiu Lisboa. Os terremotos acontecem e se não existissem casas e pessoas em sua área de influência, nada de ruim teria ocorrido.
Aplicar técnicas modernas de monitoramento de perigos naturais na identificação de zonas de riscos, estabelecer e cumprir normas na ocupação do solo, exigir construções mais seguras e treinamentos periódicos de moradores sujeitos ao perigo são ações que podem reduzir a vulnerabilidade dos grandes aglomerados populacionais. Agindo dessa forma, muitas comunidades sob perigo no Japão, Nova Zelândia e na Califórnia vivem sob risco aceitável. Planos dessa natureza exigem recursos tecnológicos e econômicos custosos, difíceis ou quase impossíveis de serem integralmente praticados por países com recursos escassos. Justamente neles, as cidades são mais expostas ao perigo e a atração para o desastre é permanente. Mesmo assim, um mínimo deveria ser feito, pois os mais humildes são sempre os menos assistidos.
Em futuro não distante, os sismólogos acreditam que será inevitável a ocorrência de terremotos fortes nas proximidades das áreas urbanas de São Francisco, Tóquio e Istambul. Seattle, na costa ocidental americana, é outro alvo. Devido à alta concentração populacional, particularmente nas três primeiras cidades, os desastres deverão ser severos, mas sua verdadeira grandeza dependerá enormemente de como essas cidades se preparam para receber o impacto das ondas sísmicas e de seus subseqüentes efeitos.
Nada indica que a freqüência dos terremotos vem aumentando, mas é inconteste o crescimento da população mundial e nos países menos desenvolvidos ela acontece com maior rapidez. O mundo está mais vulnerável. O aumento de perdas materiais, de vidas humanas e da dramaticidade dos desastres tende a crescer se não ocorrer mudanças radicais na maneira de enfrentar este e outros tipos de fenômenos naturais.

A difícil arte de predizer terremotos

Ao abalar porções de nosso planeta, um terremoto libera ondas sísmicas que são registradas por algumas das milhares de estações sismográficas espalhadas pelos continentes e ilhas oceânicas. Quase imediatamente, instituições como o Serviço Geológico dos Estados Unidos (http://earthquake.usgs.gov) divulgam o local da ocorrência do abalo, sua profundidade e magnitude. Com dados suficientes, é possível saber o tamanho e o tipo da falha geológica que originou o terremoto. Isto é um enorme avanço para a sismologia, obtido pelo progresso científico aliado ao aprimoramento das comunicações internacionais. Nunca se monitorou os terremotos com tanta eficiência e exatidão. Mas ninguém pode dizer onde e quando ocorrerá o próximo grande tremor.
Se o homem conhece os processos que acarretam os terremotos, por que não consegue prognosticá-los? Um sismo resulta da quebra da rocha após um longo processo de deformação ocasionado por tensões presentes na crosta terrestre. Em princípio, a solução não parece complicada: bastaria medir as tensões das rochas e observar alguns fenômenos indicativos de sua iminente ruptura. Na prática isto é difícil de ser feito, a geologia varia enormemente em profundidade e não há como acessar os locais onde as rochas estão sendo atritadas. Indiretamente, poderiam ser feitas medições pontuais de tensões, mas seria necessário abarcar dezenas de quilômetros de rochas, tanto em área como em profundidade, o que é técnica e financeiramente, inviável. Fenômenos indicativos seriam pequenas deformações do terreno, mudança na velocidade das ondas sísmicas, alterações do campo elétrico-magnético e na emissão de gás radônio, variações do nível freático, incremento da sismicidade e até o comportamento estranho dos animais. Interpretar sinais sutis, corretamente, antes do aparecimento do sismo, é o que se deseja, mas pela heterogeneidade da Terra, o que funciona em um local pode não se aplicar em outro.
A predição de sismos desafia os geocientistas que, infelizmente, acumulam mais insucessos do que vitórias. Alguns países obtiveram previsões positivas para sismos de pequenas magnitudes. Mas nada se comparou à façanha chinesa de prognosticar um tremor de magnitude 7, na Província de Liaoning, no nordeste do país, em 4/2/1975. Horas antes do sismo, evacuou-se um enorme contingente de pessoas que se livrou dos efeitos do abalo que devastou Haicheng, e danificou severamente a cidade portuária de Yinkou, além de muitas outras povoações menores. Em uma região com 3 milhões de habitantes, pouco mais de mil pessoas morreram. Apesar dos esforços da comunidade sismológica, nunca se conseguiu repetir predição com tal envergadura. O fato é que, pelos conhecimentos atuais, não se pode prever grandes terremotos com a precisão desejada.
Imagens de destruição e sofrimento humano se espalharam pelos quatro cantos com os tremores nas localidades de Chincha Alta, no Peru (agosto de 2007), Sichuan, na China (maio de 2008), e, agora, em L’Aquilla, na Itália. “Amanhã”, fato parecido se repetirá em outra localidade, depois virão outras mais, em uma sucessão sem fim. Aprimorar o padrão construtivo de cidades em áreas de risco sísmico é a solução mais apropriada, embora poucos consigam faze-lo, corretamente. O recente sismo italiano revelou um dado conhecido dos sismólogos, mas nem sempre entendido por muitos. A magnitude do sismo principal girou em torno de 6.0 – 6.3 para os americanos e 5.8 para os italianos. No caso, o importante é frisar que se tratou de um abalo de magnitude apenas moderada. Ele produziu muita destruição porque ocorreu a pouca profundidade e nas imediações de cidades com construções relativamente frágeis. Merece reflexão o fato de o Brasil ter sofrido terremotos com esta ordem de magnitude e nada nos aconteceu pela grande distância dos epicentros aos centros urbanos.
O sábio Chang Heng foi uma espécie de Leonardo da Vinci, chinês. Dentre suas invenções, construiu o primeiro instrumento para detectar terremotos, no longínquo 138 d.C. Por suas incursões na astronomia, teve seu nome posto em uma das crateras da Lua. Não posso deixar de imaginar uma cena surrealista. Sentado à beira de “sua cratera” e vislumbrando a Terra, talvez se espantasse com tanta coisa existente aqui. Alisando os poucos fios de seu cavanhaque poderia dizer: "Com tal progresso, por que não conseguiram ainda predizer terremotos?" Os sismólogos têm um difícil caminho a percorrer para saldar um débito com a sociedade.

Alertas do passado

Considerável porção do território brasileiro acaba de ser sacudida por um terremoto de magnitude 5.2, com epicentro no mar, a mais de 200km da costa paulista. Surpresa para muitos, preocupação para outros, mas logo quase tudo cairá no esquecimento.
O título deste artigo corresponde a um dos capítulos do livro em fase de preparação sobre tremores de terra no Brasil. Muitos se surpreenderão com as informações lá contidas. Longe de qualquer alarmismo, são apresentados fatos e reinterpretações de acontecimentos ligados aos efeitos, diretos ou indiretos, de antigos terremotos brasileiros: alteração da topografia do solo, modificação do nível do mar, deslizamentos de terra, destruição de construções, pessoas feridas e mortas. Ninguém gosta de relembrar coisas ruins. Esquecer terremotos faz parte dessa lista, e isso vale até para os países onde eles acontecem com freqüência. Mas alguns têm de continuar pensando e pesquisando sobre o assunto e, nesse caso, o problema está nas mãos dos sismólogos brasileiros.
Diferente de anos atrás, muitos já sabem porque o Brasil tem poucos terremotos. Estamos localizados quase no meio de uma grande placa tectônica, distante de seus limites onde os terremotos são mais freqüentes e extraordinariamente maiores. Essa situação de baixo risco, motivada por um posicionamento geológico privilegiado, não é imutável. Regiões intraplacas - grosso modo similares ao Brasil - já foram perturbadas por grandes terremotos: Estados Unidos, Austrália, Índia e China. Isso não é condição determinante para esperarmos o mesmo por aqui, mas não se pode negar que existe um perigo latente, que pode se manifestar amanhã, ou somente aflorar para gerações que nem nasceram ainda. Sabe-se que os terremotos podem acontecer em qualquer lugar e não necessariamente precisam ter magnitudes elevadas para ocasionar danos severos.
Ter seu epicentro localizado abaixo, ou próximo de uma cidade de porte, com edificações precárias, talvez seja o principal fator para aumentar seu poder de destruição. A probabilidade desse cenário para o Brasil é pequena, considerando o tamanho das concentrações urbanas em relação à extensão do país, e o próprio fato do pequeno número de tremores de terra. Mas isso é apenas estatística, que muitas vezes a natureza teima em desconsiderar. Na metade da década de 1950 foram registrados os dois maiores terremotos brasileiros, com magnitudes 6.2 e 6.1. Em um intervalo inferior a 80 anos aconteceram 10 outros, com magnitudes entre 5.0 a 5.5. Danos vultosos se devem creditar ao tremor de João Câmara, no Rio Grande do Norte, em 30 de novembro de 1986. Foram 4.348 edificações danificadas em uma cidade que ficou deserta, quando a maioria de seus habitantes fugiu, trazendo problemas sociais de toda espécie.
Terremotos como o ocorrido em 22 de abril de 2008 não são infreqüentes na margem continental brasileira. Basta lembrar um em 28 de fevereiro de 1955 no Espírito Santo com magnitude de 6.1, um em Santa Catarina em 28 de junho de 1939 com magnitude de 5.5, outro no Rio Grande do Sul em 12 de fevereiro de 1990 de 5.0 e, por fim, um no Rio de Janeiro dia 24 de outubro de 1972 de 4.8 na escala. Dezenas de eventos menores são comumente registrados frente aos estados costeiros do Espírito Santo até Santa Catarina. Informações centenárias dão conta de outros terremotos importantes; um deles sentido em Vitória (ES), em 1767, com provável epicentro próximo ao de 1955, mas com magnitude, possivelmente, maior ainda.
Abalos sísmicos distantes da costa não costumam trazer grandes problemas para os habitantes das regiões litorâneas. Pelo menos tem sido assim: muitos sustos, alguns contratempos e estragos de pequena monta. Mas é preciso lembrar que na atualidade, mais do que nunca, nossos olhos estão direcionados justamente para as águas do Atlântico, mais precisamente para as enormes riquezas - não totalmente dimensionadas - encobertas por milhares de metros de água e rochas, como gás e petróleo. É de se esperar que a indústria petrolífera tenha um de seus olhos mirando nossos tremores de terra, também. A presença desses fenômenos naturais, na margem continental, deve ser um dos fatores na avaliação do risco a que está sujeita à complexa infra-estrutura existente e planejada para nossas bacias petrolíferas marinhas.
Em uma tarde de domingo, um importante governante do país sentiu um terremoto, se interessou pelo assunto e incentivou outras pessoas a estudar o tema. Desde então houve muito progresso e se aprendeu bastante a respeito de nossos tremores de terra. Mas como esses fenômenos vão continuar acontecendo, nada melhor do que seguir as recomendações daquela antiga autoridade: estudá-los. Afinal, o pedido partiu, nada mais, nada menos, do que de um imperador: sua majestade, D. Pedro II.

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